A Ideografia Alquímica
- Patrick Leitão
- há 22 horas
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Os ensinamentos silenciosos

A ESCRITA primitiva baseia-se em sinais que evocam ideias, como nossas cifras, que são lidas em qualquer idioma, conservando sempre o mesmo significado. No Extremo Oriente, a ideografia original desenvolveu-se através da adaptação de uma série de caracteres que são vinculados individual e separadamente a um elemento do pensamento. Isto torna possível que os asiáticos instruídos possam compreender-se através da escrita, apesar de que, falando idiomas diferentes, não possam entender-se através das palavras.
Uma escrita como esta não é prática na vida atual, mas é inegável que possui muitas vantagens, do ponto de vista filosófico, pois obriga a pensar fazendo abstração da palavra. As palavras permitem falar de forma simples, pronunciam-se sem necessidade de que o espírito represente aquilo que expressam os sons proferidos. Tem sido dito que a palavra foi dada ao homem para que pudesse dissimular seus pensamentos. Fixemos de forma adequada o fato de que o homem fala para evitar o pensamento. Falamos muito para não dizer nada.
Estes inconvenientes da palavra não têm sido preteridos pelos pensadores sérios, que sempre procuraram não deixar-se aturdir pelo ruído das palavras. Persuadidos de que a meditação instrui o homem nas coisas que mais lhe interessam, fundaram as Escolas do Silêncio. Nelas, o discípulo não é ensinado, não recebe nenhuma preleção, é colocado em presença de si mesmo e dos puros acontecimentos da vida. É possível que as coisas, as imagens e os sinais nada lhe sugiram. Espírito preguiçoso, não se sente estimulado a pensar. Neste caso, perde seu tempo na Escola da Sabedoria. Não tem vocação, e é melhor que se instrua com pedagogos que lhe dirão o que deve pensar.
Mas suponhamos que não seja este o caso, e que ao aspirante lhe ocorram ideias ante tudo o que vê. Isto será normal da parte de um espírito ativo, que tende a pensar por si próprio. Isto nos conduz, pois, à meditação, que deve ser alimentada. No que deve meditar o aspirante? Inicialmente, nos atos nos quais seus mestres o farão participar. Estes fá-lo-ão cumprir ritos significativos, estranhos e desconcertantes, justamente para incitá-lo à reflexão. Por que, perguntar-se-á, sou levado a desempenhar um papel enigmático com o pretexto de obter a iniciação? No que estou sendo iniciado? Em formalidades que eu o sei são puramente simbólicas. Eis-me aqui frente a símbolos cujo significado devo descobrir.
Se tal cerimônia é realizada com um homem simples, que não descobre o outro lado da iniciação, a cerimônia é formal e inoperante do ponto de vista iniciático. Ninguém é iniciado pelo fato de participar de um ritual, nem pela assimilação de determinadas doutrinas ignoradas pelo vulgo. Cada um inicia-se a si mesmo, trabalhando espiritualmente para decifrar o grande enigma que a objetividade nos projeta.
Aqueles que falam, comunicam-nos suas próprias ideias, interessantes de serem conhecidas do ponto de vista profano, mas que mais vale ignorar a fim de nos colocarmos em condições de buscar independentemente a verdade.
Para descobrir a verdade, temos de descer ao nosso próprio interior, até o fundo do poço simbólico aonde pudicamente se oculta, em sua nudez, a casta divindade do pensador. Mas o recolhimento em si mesmo não é mais do que um exercício transitório, não uma finalidade. Depois de entrar em si próprio, é necessário sair, é preciso elevar-se por sobre as coisas, a elas voltar e estar disposto a apreciá-las pelo seu devido valor. A realidade vulgar das aparências é o feixe de imagens que torna necessária a perspicácia do iniciado. Para ele, tudo é hieroglífico. A vida o faz intervir como ator do espetáculo que ela mesma prepara. O ator interessa-se pela representação e quer decifrar o seu significado. A iniciação nessa representação, para melhor atuar como um artista que compreende as intenções do autor da obra, essa é a suprema regra de sabedoria para aquele que participa da divina comédia do mundo.
Mas nem todos os ritos são de iniciação. A atenção do neófito sente-se atraída por símbolos, que são objetos materiais tidos como sagrados, ou imagens veneradas, quando não, simples sinais gráficos, figuras elementares de geometria ou sugestivos desenhos que são vinculados a ideias significativas à inteligência humana.
Por ora, não nos preocuparemos com os ritos iniciáticos, estudo este que fizemos quando tratamos dos Mistérios da arte real. Da mesma forma, deixaremos de tratar aqui dos objetos do culto, que são mostrados pelos hierofantes, ou das imagens propriamente ditas, das quais nada é mais revelador do que as cartas do tarot. Nosso programa limita-se ao exame dos grafismos que favorecem a formação do pensamento e deter-nos-emos, especialmente, na análise dos símbolos alquímicos, pois neles se expressa a chave do hermetismo, filosofia muito afastada das palavras e cuja compreensão está reservada aos verdadeiros iniciados.
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