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Zona Astral de Triagem - Uma saída para o Umbral

  • Foto do escritor: Patrick Leitão
    Patrick Leitão
  • 17 de jan.
  • 8 min de leitura

O Contador de Historias

Foto de uma senhora sentada em um Mosteiro na Turquia. Angulo da foto atrás dos ombro esquerdo dela. Bancos em madeira marrom no mosteiro e paredes cinza.

Na década de sessenta, ainda muito jovem, recém-chegado na Umbanda no Bairro de Piedade, no Rio de Janeiro, eu estava com muita vontade de aprender e saber sobre os mistérios da Umbanda. Aos pés do velho Pai Tomás, eu sempre tinha o que perguntar. E como perguntava! Minha vontade de ter conhecimento não parava, era pergunta em cima de pergunta. Parece que ser jovem é procurar respostas em tudo.


Assim, íamos caminhando de pergunta a pergunta, até que numa certa noite algo estranho aconteceu. Eu morava na Lapa, na Rua Joaquim Silva, em uma casa antiga, quando numa noite qualquer de um dia qualquer, entrei em estado de respiração holotrópica. De início fiquei em estado de euforia e de medo. A respiração acelerava e o cérebro recebia uma quantidade grande de oxigênio, o êxtase se estabelecia na minha consciência.


Tudo indicava que naquele momento estava escapando da identidade-ego e entrando no meu pré-consciente, o que me daria a liberdade de sair do contexto do meu ego reencarnatório. A física quântica explica esse estado de ser da consciência. O corpo começou a não ter sentido, parecia que corpo e alma eram a mesma coisa, não havendo separação. A leveza era profunda, tudo era liberdade. Eu parecia estar entrando em uma nova realidade, saindo do mundo de ilusão. Não sentia o dualismo corpo e alma. Nada era cartesiano! Tudo era unidade pura.

Tudo estava acelerado, sentia a minha totalidade. Nesse momento como um foguete vi a minha alma transmigrar para um local que de imediato foi identificado como Calunga Pequena. Que susto!

Logo na entrada havia um sentinela ou um responsável pelo lugar. O desconhecido provoca medo. O medo não foi pelo Ser espiritual que ali estava. Ele era de uma beleza incomum, com ares de muita responsabilidade, olhar firme, fisionomia severa, porém transmitia tranquilidade e muito respeito. Não me olhou diretamente mesmo que eu tentasse me fixar no seu olhar.


O seu traje era de um tipo nobre de cor escura. Mantinha a mão direita apoiada em um tipo de bastão egípcio. O bastão emitia uma luminosidade, ora mais forte, ora mais suave. Olhei bem, cumprimentei-o, ele apenas olhou em minha direção, mas senti que eu estava sendo bem-vindo ao local.


Iniciei a caminhada em uma viela ladeada de sepulturas e flores pequenas que pareciam crisântemos. Era tudo bem limpo, sem aquelas vibrações asquerosas que falam por aí, mas não deixava de ser a Calunga Pequena. A minha curiosidade não deixou passarem despercebidos aspectos que havia lido e ouvido falar. Dizem que em determinado lado da entrada da Calunga há uma sepultura preta, e não é que existia mesmo.


A viela parecia não ter fim! O silêncio era penetrante, mas sem provocar mal estar. Não havia aqueles trabalhos que nós humanos oferecemos para algumas entidades. Caminhei um bom tempo, não estava me importando com o ambiente, tudo estava tranquilo, parecia que eu estava bem protegido. Dei graças a Deus por não ter encontrado nenhum ser desfigurado.


Depois de andar um bom tempo avistei o Cruzeiro das Almas. Aí me senti seguro, pois lá estava um símbolo que conheço. Caminhei na direção do Cruzeiro. A cada passo dado sentia a vibração mudar à medida que me aproximava cada vez mais do Cruzeiro das Almas.

Cheguei a uma praça, com uma vegetação bem diferente da conhecida, com forte perfume e de coloração em tom pastel. As pedras que compunham o solo da praça tinham cores pretas e brancas. Elas se entrelaçavam, produzindo harmonia aos opostos. No lado oposto ao Cruzeiro das Almas havia uma bandeira tremulando ao vento, de cor Preta e Branca, com um símbolo no meio. Atrás do Cruzeiro havia uma abertura que parecia um túnel. Deu para reparar que havia outro Ser na entrada com uma espada cruzada no tórax.


O túnel parecia ter algo que emitia cores das mais variadas, ora tons de roxo, ora de vermelho forte, dentre tantas outras. O Cruzeiro das Almas tinha uma luminosidade suave, até parecia que era para não ofuscar a visão daqueles que, como nós, não estão acostumados com a luz. Acima do Cruzeiro havia um triângulo com o vértice para baixo, de onde saia toda a energia que o fazia ganhar uma dimensão nunca por mim vista.


Aos pés do Cruzeiro havia uma quantidade de Seres postados em fila. Pensei; há outros visitantes, não estou sozinho nessa empreitada astral. Qual não foi a minha surpresa quando percebi que havia um ser muito bem postado que parecia de uma hierarquia diferente daquela que encontrei na entrada da Calunga e na entrada do túnel. Não tive receio, já me sentia seguro no local.


O Ser diferente estava com uma prancheta na mão chamando nomes. Aqueles que eram chamados eram direcionados a vários lugares. Alguns foram direcionados para o túnel, mas antes pareciam ter de passar por uma espécie de banho de luz. Fiquei meio intrigado porque não havia sido chamado. Perguntei ao Ser que fazia a chamada por que eu não havia sido chamado. Ele apontou para outro Ser como se quisesse dizer que aquele iria falar sobre o meu caso. Todos se comportavam com muita dignidade e sempre mantinham seus olhares firmes.


O Senhor que estava no comando deu um maneio de cabeça, nada falou, mas senti a sua mente tocar na minha dizendo que todos esses seres que você está vendo são seres que acabaram de desencarnar. Aqui é feita a triagem e os classificamos de acordo com seu grau de comprometimento na experiência no corpo. Perguntei então se eu tinha desencarnado e ele respondeu da mesma forma, através da minha mente, que não, mas que estava me mostrando o lado místico da vida!


Fiquei a imaginar se aqueles irmãos que já foram da carne eram médiuns de Umbanda. Eles tinham postura e vibravam com muita harmonia. A situação não é simples para médiuns que falham com seu compromisso. É muito fácil cometer erros, ou mesmo ser induzido a erros. A vaidade, a mentira, querer ser o melhor, ser perjuro, dar falso testemunho, são exemplos que não devem ser seguidos. A lei de Umbanda é severa, não deixa passar nada.


Mas, tudo é cobrado com amor pelos nossos guias espirituais. Na órbita dos encarnados para nós umbandistas, as coisas são muito árduas. Temos que trabalhar sem medo e às vezes cometemos algum deslize. Por outro lado, quem está trabalhando em prol de outros irmãos com suas estruturas emocionais prejudicadas e que vivem na solidão espiritual, está sujeito aos entrechoques energéticos na caminhada. Não tenho dúvidas, somos valorosos cavalos de Caboclo, Pai Velho, Criança e Exu Guardião que merecem respeito.


Parei, pensei e ensaiei uma nova pergunta, mas logo veio a resposta: "Tudo tem o seu tempo. Você vai voltar para o contexto do ego, vai continuar a sua caminhada com fé, perseverança, honestidade e ética. Cada pedra no seu caminho é o material para forjar o alicerce do seu altar espiritual e do seu caráter. Nada será difícil, nada será fácil, todos os empecilhos serão possibilidades que abrirão janelas espirituais para o seu progresso."


"Não se queixe quando algo não for feito, a cada um cabe fazer um pouco, o pouco de cada um formará muito, ninguém pode fazer tudo numa encarnação, pois a caminhada é longa. Não se preocupe se sabes pouco, tenha o coração aberto para o mundo. Cada um dos encarnados sabe o necessário para sua jornada espiritual. Nenhum de vocês tem o conhecimento completo. O conhecimento é um mosaico de várias peças, cada um tem uma peça do mosaico. A conquista do mosaico completo requer muito conhecimento transformado em sabedoria. Eis a questão. Muitos se perderam como eu nas malhas do conhecimento sem a sabedoria de Pai Oxalá, o Orixá do amor."


– "O Senhor está me deixando boquiaberto com essas palavras profundas", exclamei!

Poderia dizer o seu nome? Ele deu uma bela gargalhada, respondendo: – "Hoje sou Exu Guardião prestando serviço ao Senhor das Almas. Apesar de ser de outra vibração, não escolhemos o lugar para trabalhar. Vamos para onde somos ordenados e onde haja necessidade kármica. Lembre sempre que devemos estar prontos para servir ao Amor Divino." "O meu status como espírito pouco importa, as minhas realizações conscientes é que valem para o meu crescimento e para o daqueles que compartilham comigo o mesmo propósito."

O silêncio foi profundo, dois amigos em dimensões diferentes se encontravam e eu teria que voltar, pois estava chegando a hora. Na época não consegui identificar a entidade que havia falado, hoje sei que se tratava do Exu Guardião, ao qual dou passividade na minha mediunidade, Exu Tiriri das Almas.


Agradeci da mesma forma e caminhei de volta. No mesmo lugar estava o ser espiritual que fazia a vigilância. Ao passar por ele já parecia que tínhamos algo em comum. Passou pela minha mente que esse é um Tranca Ruas das Almas, sem ‘chifres’, ou pé de bode, e ele não cheirava mal. Eu estava acostumado a ver as imagens de Exu com chifres e outras coisas negativas. Falavam na época, talvez até hoje, que eles fazem o mal, não vi nada de mal com ele.


Voltei ao meu estado de Ser Espiritual em experiência na matéria mais densa, no meu corpo que tem um contexto do ego do passado. Sentei na minha cama, e comecei a refletir sobre o acontecido, estava com o corpo molhado e quente, um pouco cansado e cheio de dúvidas. Pensei, quando me encontrar novamente com Pai Tomás teremos muitos assuntos para conversar.


O sábado não chegava, estava ansioso para contar para o Pai Velho a novidade e desvendar outros mistérios. Como é bom ser jovem! Temos todo o tempo para esperar! Sempre depois que terminavam os trabalhos o Velho Tomás ficava em terra para falar com alguns médiuns. Como eu gostava dessa grande amizade astralizada. No dia da gira não via a hora de poder falar com Pai Tomás. Não passava a hora, que gira longa!


O silêncio da madrugada era interrompido pelas cantigas da Umbanda, pelos latidos dos cães, por alguns atabaques usados em muitos terreiros que soavam ao longe, e pelas batidas do meu coração, que estava cheio de sentimentos religiosos por estar girando. A gira está girando, os corações estão apertados e as pernas cansadas, mas estávamos cheios de amor para distribuir para aqueles que buscavam de alívio para as suas mazelas.


Tudo é magia nas giras de Umbanda: seu sincretismo, seus cânticos, sua defumação, o cheiro do charuto, o brado dos caboclos, a fumaça saindo dos cachimbos dos Pais Velhos, as gargalhadas dos Exus Guardiões. Que maravilha! Quando o ogã cantou o ponto de subida do Pai Velho uma alegria contagiante tomou conta de mim, não pelo término da gira, mas porque iria relatar a minha experiência do outro lado matéria densa ao meu amigo.


Todos estavam se despedindo e eu sentia o coração pulsar forte. A emoção tomava a minha alma de médium de Umbanda que cada vez mais queria aprender tudo sobre mediunidade e sobre as entidades. Não demorou muito. Eu já estava novamente aos pés do Pai Tomás com muita alegria e cheio de curiosidade. Aquela noite estava extasiante, quanta conversa, mas o tempo era curto.


Quando abri o meu mental para lembrar da minha experiência fora da matéria, o velho logo falou que eu tinha tido uma experiência no mundo astral. Que surpresa, o Pai já sabia do ocorrido, mas como ele ficou sabendo da minha viagem fora da carne?


Pensamos que as nossas vidas de médiuns não são conhecidas por nossas entidades. Engano nosso. Cada um de nós tem uma vibração diferenciada, podemos até dizer que temos rastro e ao caminharmos pela vida vamos deixando o nosso perfume, ou seja, a nossa identificação. O mesmo ocorre com a nossa estadia fora do corpo, uma vez que estamos ligados pelo fio de Ariadne, o qual nos faz permanecer ligados ao corpo quando em viagem astral.


O Pai Velho foi me explicando o que ocorreu e que no futuro iríamos entender melhor a nossa Umbanda. Ele disse também que será necessário muita força de vontade, estudo e meditação sobre as palavras de Pai Oxalá. O conhecimento aliado aos sentimentos puros eleva o ser. A conversa foi muito longa e os reflexos desse dia ainda hoje estão latentes na minha alma.


Obrigado pelo ensinamento, a paciência que tiveste com esse filho de fé!


Pai Carlos da Costa

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Logotipo do Terreiro de Umbanda Ogum Megê, composto por um triângulo azul com uma cruz vermelha e luz verde irradiando.

Terreiro de Umbanda Ogum Megê /
Casa de Ogum Guerreiro e Yansã

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