O Remédio da Alma
- Patrick Leitão
- 8 de fev.
- 3 min de leitura

O Iluminador de Almas
No Egito, as bibliotecas recebiam o nome sugestivo de “clínicas da Alma” (1) ou “tesouro dos remédios da Alma” (2), referindo que nelas o ser humano poderia curar a doença mais severa de todas: a ignorância.
Mas de que tipo de ignorância falavam os sábios egípcios? Certamente, a ignorância que aflige o ser humano não é cultural mas sim - Para a Sabedoria, com essa ideia como ponto de partida podemos compreender que a educação não deve ser uma mera acumulação de informação, mas deve tornar-se um meio de formação integral cujo objetivo é a “cura do Alma”.
Educar não é “instruir” (transmitir conhecimentos e competências), mas desenvolver potencialidades, sem nunca esquecer que “educar” vem de “eduzir” (do latim “educere”), ou seja, revelar, trazer à luz, potencializar as capacidades latentes que nos ajudam a realizar-nos plenamente.
De acordo com Platão: “Todo conhecimento é memória”, por isso a missão das escolas iniciáticas consiste em “facilitar” o caminho e fornecer ferramentas poderosas para que cada aluno “lembre” (anamnese) aquilo que esqueceu (amnese) mas que continua dentro de si. Os antigos resumiam esta ideia em uma única frase: “Conheça-se a si mesmo e conhecerá o Universo e os Deuses”.
Se a Alma está doente, amnésica, encantada pelos espelhos coloridos do mundo material, então a Filosofia Iniciática deve ser entendida como um valioso método terapêutico para que o homem comece a lembrar-se da sua verdadeira identidade.
Epicuro falava de uma “therpeuein” (terapia) e afirmou que “vana é a palavra daquele filósofo que não remedia nenhuma doença do homem. Pois, assim como nenhum benefício há da medicina que não expulsa as doenças do corpo, também não há da filosofia se não expulsa a doença da alma” (3). Em outras palavras, se a filosofia não for aplicável à vida quotidiana, não servirá de muito.
No Oriente, Buddha é conhecido como “o grande médico”, o curador das doenças da Alma, e seu tratamento foi imortalizado nas quatro nobres verdades:
“Há dor” (observação dos sintomas da doença)
“A dor tem uma causa: o apego” (diagnóstico)
“A dor pode desaparecer se sua causa desaparecer” (previsão de recuperação)
“Para extinguir a causa, devemos seguir o trilho nobre octuplo” (prescrição de uma receita)
Na tradição judaico-cristã, o pecado original – muitas vezes entendido como uma “condenação eterna” que leva à conclusão deprimente de que a vida é um “vale de lágrimas” onde viemos sofrer – pode ser visto como uma doença existencial ou de uma intoxicação causada pelo fruto proibido do Éden.
O filósofo rosacruz Eckhartshausen, ao falar sobre este tema, afirmou: “O estado de doença dos homens é um verdadeiro envenenamento; o homem comeu do fruto da árvore onde o princípio corruptível e material dominou e foi envenenado por este gozo”. (4)
Em outras palavras, ao comer da árvore do bem e do mal, da dicotomia entre o eu e o não-eu, do externo e do interior, o ser humano primordial (Adão) quebrou a ligação que o ligava à Fonte, e assim ocorreu a “queda” que representa a separação da Unidade Primordial entre o homem e a divindade.
A consequência deste acontecimento é explicada por Eckhartshausen desta forma: “O olho interno que por toda parte tinha a verdade por objetividade fechou-se; o olho material abriu-se ao aspecto inconstante dos fenómenos” (5), o que significa que o homem rapidamente esqueceu o seu vínculo primordial e identificou-se com o mundo fenomênico, onde rege a diversidade.
Assim como o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal precipitou a separação, há outro fruto que tem a virtude de nos re-ligar com a Fonte: o fruto da árvore da vida. Por esta razão, o esoterismo cristão considera que o caminho inicático não é mais do que uma aventura maravilhosa que culmina num ponto central (“axis mundi”) onde poderemos dar uma forte mordida no fruto da memória e nos tornarmos o que realmente somos.
Notas de texto
(1) Diz Diodoro da Sicília: “Abaixo está a biblioteca sagrada, que leva a inscrição “lugar de cura da alma”, e ao lado deste edifício podem apreciar-se estátuas de todos os deuses do Egito”. (“Bibliotheca historica”).
(2) Diz Jacques-Bénigne Bossuet: “O primeiro de todos os povos onde se vêem bibliotecas é o do Egito. O título que lhes era dado inspirava o desejo de entrar nelas e de penetrar nos seus segredos: eram chamadas: O tesouro dos remédios da alma, porque lá se curava da ignorância, que é a mais perigosa das suas doenças e a origem de todas as outras”. (“Discurso sobre a história universal”)
(3) Usener, Hermann: “Epicurea”, fragmento 221.
(4) Eckhartshausen, Karl von: “A nuvem sobre o santuário”
(5) Eckhartshausen: op. cit.
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